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Caminhos e Descaminhos da Arte Tecnológica no Brasil

Profa. Rose Mary Louzada Gomes Curso de Comunicação Social / FAESA II Mestre em Ciência da Arte – Universidade Federal Fluminense


Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas originais, significa também, e, sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, socializá-las por assim dizer, transformá-las, portanto em base de ações vitais, em elemento de coordenação de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de pessoas seja levada a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente, é um fato “filosófico” bem mais importante e original do que a descoberta, por parte de um gênio, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos de intelectuais (GRAMSCI: 1981, p.118).




No inicio do século XX, duas categorias de artes passam a fazer parte da produção artística: a fotografia e o cinema. Inicialmente ambas sofreram resistências quanto a sua aceitação como produção artística, pois alteraram o “fazer artístico” estabelecido, principalmente da pintura. E, de acordo com Argan (1992), isso fez com que a relação entre “as técnicas artísticas e as novas técnicas industriais” entrasse num conflito com os “diferentes significados e valores das imagens produzidas pela arte e pela fotografia”. Outro problema detectado com a difusão da fotografia era de ordem social, visto que diversos trabalhos realizados por pintores, como retratos, vistas de cidades e de paisagens, reportagens etc., passaram a ser realizados pelos fotógrafos. Porém como tudo o que é novo causa em princípio polêmicas e controvérsias, se de um lado havia artistas radicalmente contra a fotografia arte, por outro lado havia grupo de artistas que não só a aceitavam como a utilizavam no seu processo de criação artística, como Eugène Delacroix, que via a fotografia como acessório auxiliar da pintura; ele a utilizava como estudos para poses difíceis de manter; Gustave Courbet e Manet também lançavam mão de fotografias para suas paisagens panorâmicas; os instantâneos de ação congelada de Edgard Degas ajudavam-no a imaginar poses incomuns e composições diferentes. Podemos perceber que, graças à fotografia, a pintura liberta-se da sua tarefa tradicional de “representar o verdadeiro” pois coube à fotografia a tarefa de fornecer a representação da realidade “como ela é”; segundo comentário de Giulio Argan,


Pode-se, portanto, dizer que a fotografia ajudou os pintores” de visão “a conhecer sua verdadeira tradição; mas precisamente, apresentando-se como puro fato de visão, ajudou-os a separar, nas obras desses mestres, os puros fatos de visão de outros componentes culturais (...) Courbet foi o primeiro a captar o núcleo do problema: realista por princípio, nunca acreditou que o olho humano visse mais e melhor do que a objetiva; (...) Para ele, o que não podia ser substituído por meio mecânico não era a visão, mas a manufatura do quadro, o trabalho do pintor. (...) A fotografia torna visíveis inúmeras coisas que o olho humano, mais lento e menos preciso, não consegue captar; passando a fazer parte do visível, todas essas coisas (por exemplo, os movimentos das pernas de uma dançarina ou um cavalo a galope), como XXIV Colóquio CBHA 2 · Rose Mary Louzada Gomes também os universos da infinitamente pequeno e do infinitamente grande, revelados pelo microscópio e pelo telescópio, passam a fazer parte da experiência visual e, portanto, da “competência” do pintor (1992: p. 81).




Vimos, portanto, que a fotografia é que introduz uma mudança de paradigma no “fazer artístico”, já que foi a primeira a utilizar a tecnologia, máquina fotográfica, “instrumento que traz em si o modo de atingir seus objetivos” (DUARTE; 2003: p.20) para realizar a sua poética, ou seja, a passagem da manipulação artesanal para produzir suas obras através da “mediação de dispositivo maquínico”, no discurso da professora Lúcia Santaella. Vale ressaltar que, apesar do impacto causado pela fotografia na produção artística, por sua rapidez e eficiência visual, a sua absorção enquanto arte possibilitou à pintura um novo direcionamento, principalmente aos artistas que buscavam o rompimento com a arte tradicional. Com o advento de novas máquinas, da luz elétrica, do telefone, do fonógrafo e a afirmação do cinema ampliavam-se as possibilidades de novas experiências no universo artístico, que tomava direções variadas; no início do século XX, os diversos movimentos da vanguarda1 , como o Fauvismo, que foi o movimento que através da cor expressava os seus sentimentos; o Cubismo de Picasso, expressão maior do movimento, “quebrou” as formas para recombiná-las de novas maneiras. O Cubismo foi descrito por Ernest H. Gombrich como “a tentativa mais radical já empreendida para exterminar a ambigüidade e impor uma única interpretação da pintura - a de coisa feita pela mão do homem, uma tela colorida”. (1986; p.244); os Futuristas que, em 1910, faziam apologia da velocidade e da mecânica, diziam em seu Manifesto: “o mundo estava se enriquecendo com uma nova beleza: a beleza da velocidade” e declaravam “Tudo mexe, tudo corre, tudo se transforma rapidamente”; o Construtivismo russo, em 1914, num primeiro momento tomou emprestado dos cubistas as formas quebradas e dos futuristas adotou as imagens múltiplas sobrepostas para expressar a agitação da vida moderna. Vladimir Tatlin, um de seus mentores, iniciou a “arte geométrica” russa; segundo ele, essa arte era para refletir a tecnologia moderna, e “Construtivismo” porque o objetivo era construir a arte, e não criá-la.


A discussão de projetos e filosofias de arte era bastante aberta, apesar das controvérsias. De um lado, achavam-se os que acreditavam que os trabalhadores da arte deveriam servir às massas, deveriam ser compreensíveis a todos e usar técnicas e materiais industriais (RICKEY: 2002, p.45). Assim, após a Revolução Bolchevique alguns artistas do movimento saíram da Rússia, devido às perseguições políticas, alteraram as bases do movimento em 1920; o Dadaísmo, o movimento que tinha como objetivo de não-sem-sentido, protestava contra a loucura da guerra, queria também acordar a imaginação, por isso sua principal estratégia era denunciar e escandalizar a sociedade da época, em 1916; o Surrealismo, filho legítimo do dadaísmo, começou um movimento literário liderado por André Breton, [...] que também era médico psiquiatra, estudioso de Freud, cuja teoria do inconsciente abria à pesquisa uma vastíssima região da psique. No inconsciente pensa-se por imagens, e, como a arte formula imagens, é o meio mais adequado para trazer à superfície os conteúdos mais profundos do inconsciente. Na primeira fase da poética surrealista, a arte possui justamente um caráter de teste psicológico, mas, para que este seja autêntico, é preciso que não haja intervenção da consciência e que o processo de transição seja absolutamente “automático” (ARGAN; 1992: p.360). Como podemos notar nessa síntese, as artes visuais no início do século XX estavam baseadas numa nova fonte interdisciplinar de criação, essas novas poéticas artísticas estavam voltadas para um experimentalismo que, algumas vezes, não tinha uma preocupação com o resultado final da obra, mas estava sempre em busca de uma proposta aberta e com muitas facetas, ampliava sobremaneira os processos artísticos tradicionais através da mediação tecnológica. E, por meio das experiências com as máquinas, começa a surgir a seguinte postura: os artistas solicitavam cada vez mais a participação física e mental do espectador em suas obras. Vamos encontrar essa postura no movimento Construtivista russo, em 1920, no Manifesto Realista, cuja preocupação de seus autores, Naum Gabo e Antoine Pevsner, era criar obras rítmicas, como forma básica da percepção do tempo real. O real era entendido como o tempo que dava através da simultaneidade entre o ponto de vista do espectador e movimento real da obra. Não o tempo real como temos hoje, com a Internet ou televisão ao vivo, via satélite. Na verdade, o que Gabo e Pevsner queriam com o tempo real significava a recusa da obra como objeto estático. Eles buscavam um “movimento” da obra a partir de mecanismos acionados principalmente através de motores e efeitos luminosos coloridos; para Gabo


A concretização das nossas percepções de mundo em formas espaciais e temporais é o único objetivo de nossa arte plástica e pictórica... Construímos nosso trabalho como o universo constrói o seu, como o engenheiro constrói suas pontes... Ao criarmos coisas, tiramos... tudo o que lhes é acidental e local, deixando apenas os ritmos constantes das forças nelas presentes (RICKEY: 2002, p.46)


Essa é uma parte do Manifesto Realista escrito por Gabo, assinado por Pevsner, que foi afixado nos muros de Moscou, em 1917. Para eles, na arte surgia um novo elemento rítmico como forma básica da percepção do tempo real. A partir da publicação do Manifesto, a palavra “cinética” passou a ser utilizada tanto por artistas, quanto por críticos de arte para indicar uma diversidade de obras artísticas. Veremos que foram esses artistas que, nas décadas 1940/50, colocaram a luz artificial em movimento, prenunciando as imagens produzidas pela luz que viriam dominar, mais tarde, a cena da vídeo-arte e das artes computacionais, como veremos num capítulo mais à frente, quando o computador não passava de uma enorme máquina, ocupando salas inteiras na década de 1960. Com o fim da guerra, começam a surgir outros centros que fizeram sombra a Paris, e Nova York aparece, então, não apenas como um riquíssimo mercado para as obras de arte, mas também como um fértil núcleo produtor, onde trabalha uma equipe de artistas que revelam uma genial e intensa criatividade. “Nova York orgulhava-se de ter substituído Paris como o centro das artes visuais, com o que pretendia dizer o mercado de arte ou lugar onde artistas vivos se tornavam os produtos de mais alto preço” (HOBSBAWM: 1995; p.485).




Essa transformação na arte americana não acontece por acaso, já desde o princípio do século ela estava sendo preparada. Após a exposição de Henry Matisse, em 1908, e a de Pablo Picasso, em 1911, na Europa, foi realizada em Nova York, uma grande mostra de arte conhecida com o nome de Armory Show, que apresentou ao público americano um amplo panorama da produção européia, de Picasso e George Braque até a André Derain, Constantin Brancusi e Wassily Kandinsky e outros. Nessa exposição Marcel Duchamp, causou um verdadeiro escândalo com sua tela Nu descendo escada, “uma versão dinâmica do ‘Cubismo facetado’, semelhante ao futurismo sobrepondo fases sucessivas de movimentos umas em cima das outras” (JANSON: 1989; p. 691). Ao lado desses artistas figuravam também trabalhos de jovens artistas americanos que estudaram em Paris ou em outros centros europeus menos importantes. Revelados na Armory Show, os estilos cubista e futurista tiveram influência marcante em alguns artistas americanos. Sobretudo o futurismo, com suas análises sobre o movimento e as grandes estruturas, que não podem deixar de fascinar uma civilização então recém-industrializada como a americana. A partir de então, as influências européias se fazem notar, cada vez com mais freqüência. Devemos lembrar que o outro motivo dessa mudança de centro polarizador foram as perseguições. Durante a guerra, muitos artistas e críticos refugiaram-se no Estados Unidos: Piet Mondrian, Ferdinand Léger, Salvador Dali e Walter Gropius são alguns deles; a chegada desses e outros artistas de vários países tem uma enorme importância no desenvolvimento da arte americana. No entanto, ao chegarem ao novo país, os refugiados já encontram, também, um estilo perfeitamente concretizado, capaz de exprimir-se sem nada pedir de empréstimo aos exemplos estrangeiros. Prova disso foi a exposição de Jackson Pollock, realizada em 1943, na galeria de Art Of This Century, de Peggy Guggenheim. Segundo a frase de seu companheiro Willem de Kooning, Pollock “rompe o gelo”. Isso, no entanto, foi feito pelo artista através de um paciente estudo das experiências contemporâneas; Pollock estudava com máximo interesse os murais revolucionários dos pintores mexicanos, e no Centro Artístico de David Alfaro Siqueiros, em Nova York, ele já ensaiava novas técnicas e materiais. Aberto para o mundo, Pollock procurava explorar todas as possibilidades que podia lhe oferecer uma cidade como Nova York. O mesmo faz os membros do seu grupo, entre eles, de Kooning, Mark Rothko, Adolph Gottlieb, Arshile Gorky, Robert Motherwell, Clyfford Still e Barnett Newman. Embora as questões sociais o preocupem, Pollock procurava evitar a produção de uma arte militante que se ligasse à disciplina de um credo ou escola. Sob esse aspecto, é possível notar, não apenas no caso do artista, mas também de seus companheiros, o típico individualismo americano que caracterizou essa geração sucumbida pelos efeitos da II Guerra Mundial. Se a técnica do automatismo surrealista os atraía, não era para ser utilizada como sonda do inconsciente, mas para que a partir dela surgissem associações inéditas para que libertassem o gesto do pintor de qualquer preocupação realista. Enfim, se Pollock e seus companheiros mostraram-se abertos a todas as influências, não foi com intenção de imitá-las, mas para retirar delas o material necessário à sua própria linguagem. Para entendermos melhor essa linguagem, o próprio Pollock explica o processo de seu trabalho:


Minha pintura não vem do cavalete. Dificilmente estico a tela antes de pintar. Prefiro estendê-la numa parede dura, ou no chão, fixando-a com tachinhas. Preciso da resistência de uma superfície dura. No chão, sinto-me mais à vontade, mais próximo, fazendo parte da pintura, uma vez que dessa maneira posso andar em torno dela, trabalhando pelos quatro lados, ficando literalmente dentro dela. Esse método tem parentesco com o dos pintores indígenas do Oeste, que trabalham com areia. Permaneço, ainda, longe dos instrumentos usuais dos pintores, como cavalete, paleta, pincéis, etc. Prefiro bastões, toalhas, canivetes e tintas que possam gotejar ou uma massa empastada com areia, pedaços de vidro ou outros materiais estranhos. Quando estou dentro da pintura não estou ciente do que estou fazendo. Somente depois de um período há uma espécie de “tomada de consciência” e vejo no que estive metido. Não temo fazer alterações, destruir imagens, pois a pintura tem sua vida própria. Tento deixar que isso se aflore (CHIPP: 1996; p. 556).


Na técnica do “dripping2, a tinta goteja do pincel do artista, caindo na tela livremente, a fim de encontrar, ela mesma, sua melhor forma. O trabalho do artista consiste, justamente, em impedir que forças exteriores atuem sobre esse processo, para que através dele surja a natureza intrínseca do quadro. Seu gesto libera todos os valores, políticos, estéticos e morais. Nessa atitude está uma das características mais importantes do movimento, porém é nela, também, que reside a sua fraqueza. Em seu conjunto, após ter levantado o problema de uma arte social de grande comunicabilidade, a Action Painting terminou por representar apenas uma série de soluções pessoais, cuja linguagem não teve força necessária para impor-se como escola, o que vem corroborar a intenção de Pollack de não criar uma arte militante. O Expressionismo abstrato de Jackson Pollock e seu grupo foi batizado pelo crítico de arte Harold Rosemberg de Action Painting. Nesse período, o crítico de arte passa a ser um elemento de suma importância para o mercado de arte, pois ele era o responsável pela repercussão das obras e dos artistas, fazendo com que as artes visuais tomassem força e acontecessem nos meios de comunicação, tornando-se um produto mercadológico vendável, uma característica dos países capitalistas com uma economia altamente competitiva. Como havíamos comentado, a relação da arte com uma política sócio-econômica de “consumo” em que a “busca de um coeficiente de qualidade estética na conformação, apresentação e confecção de produto” (ARGAN: 1992; p. 511) gerou conflitos que mudaram radicalmente os caminhos das artes, e essa oposição aconteceu porque


[...] em toda a sua história, a arte é um valor que se frui, mas não é consumido. Uma arte que se consome ao ser fruída, como um alimento que se come, pode existir ou não; (...) a arte não é uma entidade metafísica, e sim uma modalidade histórica do agir humano. A arte teve um princípio, e pode até ter um fim histórico. (...) os americanos se apropriaram com facilidade não apenas da cultura, mas também da arte européia; todavia, para eles, que se sentiam um povo jovem em conquista da supremacia mundial, a cultura, a arte européia não implicavam, como implicam para nós, o problema histórico, isto é, da relação entre nosso presente e aquele passado. A arte, para o novo mundo, era a criação imediata de fatos estéticos, como a ciência de fatos científicos (ARGAN: 1992; p.509).


Chegamos a um ponto crucial da arte do século XX, o período que compreende os anos entre 1950 e 1960, no qual uma crise de identidade perpassava todas as dimensões da arte que se viram afetadas por essa crise: a possibilidade de arte como expressão válida; o alcance e significado da mensagem artística; a missão social da arte; o conflito da arte com a sociedade que enquadra; a relação – de direção, de submissão ou de coexistência - das artes tradicionais com respeito aos novos meios expressivos acumulados pela tecnologia moderna. Podemos notar que as reivindicações das vanguardas estéticas pela ampliação dos processos artísticos tradicionais através de tecnologias da época quebraram paradigmas. Constatamos que a utilização dos diversos meios já existentes rompe definitivamente com a crise de identidade introduzida na arte no final do século XIX. Observamos que, após a II Guerra Mundial, a arte contemporânea se debateu ainda, entre duas questões de condições diversas, mas dependentes entre si. Por um lado, tratou-se de perpetuar o processo de rupturas das linguagens praticado pelas vanguardas. Visto por este ângulo, não é arriscado apontar um esgotamento formal que levou à utilização de recursos anteriores – mediante um acúmulo de “neo-ismo”: neo-expressionismo, neo-abstracionismo, neoconcretismo neodadaísmo etc. – chegando-se freqüentemente a soluções ecléticas. Por outro lado, podemos apreciar um constante esforço por vincular uma concepção vanguardista da arte à necessidade, provocada pelo ritmo da nossa sociedade, de conseguir uma arte de massa. Esta tendência iniciada nos Estados Unidos – pela sua primazia tecnológico-cultural – originou tanto o surgimento de diversas correntes artísticas diretamente inspiradas no consumo de massas, como a Pop-art, quanto um esforço de integração da arte aos marcos tecnológicos da nossa sociedade, tais como desenho industrial (design), meios audiovisuais. Em 1950, após cinco anos de recuperação da II Guerra Mundial, jovens artistas se lançam ao estudo e “propõem reexaminar criticamente os movimentos da primeira metade do século, para separar e revalorizar o que havia de concreto em suas veleidades revolucionárias” (ARGAN: 1992; p.534). Destes movimentos reexaminados, o Expressionismo Abstrato foi retomado e se destacou entre esses artistas, contudo, no finalzinho da década 40, um grupo de artistas do Construtivismo ainda espalhava suas idéias em diversos centros, inclusive no Brasil. O artista responsável pela entrada desse ideário aqui foi o suíço Max Bill, a sua exposição no Museu de Arte de São Paulo, em 1951, e a presença da delegação suíça na 1ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo abriram as portas do país para as novas tendências construtivistas. Vale ressaltar que no Brasil os germes de uma arte abstrata geométrica já eram uma preocupação entre os artistas do movimento modernista da Semana de Arte de 1922, conforme o texto de Aracy Amaral:


Parece-nos bem claro que a abstração geométrica no Brasil se faz presente desde inícios dos anos 20, entre nós, sob formas que assinalam a preocupação dos modernistas de se atualizarem, de serem ‘modernos’, a partir dos figurinos da arte exportada de Paris. Esses primeiros balbucios de abstração geométrica ou geometrizada comparecem simultaneamente sob a forma: 1) de especulações abstratogeométicas em telas de inícios dos anos 20; 2) em fundos de telas cujo primeiro plano é nitidamente figurativo; ou 3) sob forma de decoração de interiores, cenografia e vitrais, que, na verdade, nos parece ter sido o início propriamente dito do surgimento do abstracionismo geométrico nos anos 20 e inícios da década 30 (1998; p.31).


Aracy vai mais longe, quando mostra um estudo realizado por diversos críticos sobre os artistas Construtivistas brasileiros, no qual o critico Theon Sapanudis afirma que Tarsila do Amaral foi a primeira XXIV Colóquio CBHA 6 · Rose Mary Louzada Gomes artista brasileira a incorporar um “plano abstrato-geométrico” como fundo para sua tela antológica, “A negra”, de 1923. Podemos perceber, nesse parêntesis, o porquê da facilidade na aceitação pelos artistas brasileiros das novas linguagens plásticas, pois já havia precedentes históricos. Como comentamos, no final da 40, a arte concreta que chega a nosso país, visava a rediscutir a linguagem plástica moderna. Os artistas que vieram ao Brasil, dentre eles Richard Paul Lohse, Verena Loewensberg e especialmente Max Bill, colocaram para os artistas brasileiros o problema da bidimensionalidade do espaço pictórico introduzido pelo cubismo ao definir o quadro como suporte sobre o qual a realidade é reconstruída e passível de ser apreendida de múltiplos ângulos. Esse grupo fazia pesquisas sobre a percepção visual, desenvolvida pela teoria da Gestalt e defendia a integração da arte na sociedade pela participação do artista nos vários setores da vida urbana. Esses ideários artísticos vinham ao encontro das aspirações dos artistas brasileiros, assim como atendiam às modificações que vinham sendo processadas no meio social, político e cultural do Brasil daquela época. Devemos lembrar que cidades como São Paulo e Rio de Janeiro começavam a dar procedimentos para a metropolização, alimentadas pelo surto industrial da política da boa vizinhança, marcada pela pauta desenvolvimentista, que alteraria completamente a paisagem urbana das duas cidades. A partir de 1947 especialmente, as artes plásticas no Brasil foram marcadas por acontecimentos que tiveram desdobramentos de grande importância futura, pois foram criados os Museu de Arte de São Paulo (MASP), por Assis Chateaubriand, Museu de Arte Moderna (MAM), por Francisco Matarazzo, em 1948 e no ano seguinte, 1949, foi criado o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Os dois mecenas de São Paulo investiram ainda na implantação de um núcleo de cinema e teatro, juntamente com o dramaturgo Franco Zampari, fundando a Cia. Cinematográfica Vera Cruz e o Teatro Brasileiro de Comédias (TBC), em 1949, que não só foram criados para alimentar a intelectualidade paulistana, assim como também mudariam a história cultural do país. A partir daí, podemos notar que aconteceu uma série de eventos que contribuíram para essas transformações e transições artísticas no Brasil, pois chega em São Paulo o crítico e historiador de arte argentino, Jorge Romero Brest e realiza seis conferências no recém-fundado Museu de Arte de São Paulo. Suas palestras foram uma continuidade as discussões sobre figuração e abstração, como as que eram feitas anteriormente por Leon Dégrand, primeiro diretor do Museu. Essas palestras abordavam a diferença entre figuração e abstração. Romero Brest, dizia que:


[...] a arte abstracionista não se funda na mera sensibilidade, que é extremamente subjetiva e pessoal. Não quero dizer com isso que as novas formas artísticas pretendem eliminar a sensibilidade – que é fator do ser humano –, antes procuram a intervenção da vontade para que a inteligência predomine sobre a sensibilidade’. [...] ‘A arte abstrata não convence o público porque não se funda na sensibilidade, mas na inteligência. Portanto, não será sentida antes de ser compreendida’, Assim, ‘o caráter objetivo das novas formas produz uma emoção intelectual (AMARAL: 1998, p. 53).


Ele afirmava também, nessas palestras que, “Os abstracionistas não se apóiam na matemática elementar, mas na geometria superior que introduziu a noção do infinito. Enquanto a geometria euclidiana, a do finito, está ao alcance dos sentidos, a geometria enedimensional desenvolve o infinito” (AMARAL: 1998, p. 54). As artes visuais ganhariam ainda outros reforços, como a abertura de várias galerias de artes, criando, assim, nos anos 50, condições para a experimentação “concreta” e o anúncio das novas tendências não-figurativas. Diversas exposições confirmariam essas novas tendências dos artistas brasileiros como: a exposição “Do Figurativismo ao Abstracionismo”, no Museu de Arte Moderna; a exposição de Alexander Calder, no Museu de Arte São Paulo, ambas em 1949; a exposição “Fotoformas” de Geraldo de Barros, no Museu de Arte São Paulo; e a dos “19 Artistas” na Galeria Prestes Maia, que lançam a semente do grupo concreto paulista, em 1950. O ponto máximo desses acontecimentos foi à realização da I Bienal de São Paulo, em 1951, quando a cidade experimenta finalmente uma nova efervescência cultural depois da II Guerra. A capital paulista se transformou em um centro internacional das artes plásticas, contando com a participação de 21 países no evento. Para a mostra foram trazidas 1800 obras, entre as quais trabalhos de alguns dos mais importantes artistas do século XX, como Picasso, Léger, Max Ernst, Henry Moore, Max Bill, Alexander Calder, ao lado de artistas brasileiros, como Cândido Portinari, Aldemir Marins, Di Cavalcanti, Vitor Brecheret, Danilo Di Prete, Osvaldo Goeldi. Todos esses episódios deram ao meio artístico brasileiro não só a possibilidade de conhecer a produção internacional, assim como ampliaram o intercâmbio entre os artistas estrangeiros e os brasileiros, as suas idéias e obras, marcando definitivamente a entrada das novas tendências artísticas no Brasil, visto que os nossos artistas haviam iniciado manifestações de reação à moderna pintura brasileira (abstração-figurativa). Sobretudo com a permanência de Max Bill entre os brasileiros e, após seus cursos e seminários realizados no Instituto de Arte Contemporânea, do Museu de Arte de São Paulo, começou a formação de grupos de estudos e trabalhos em torno de suas propostas artísticas, dos quais se destacaram o Grupo Ruptura, em São Paulo e o Grupo Frente, no Rio de Janeiro. Assim, em 1952, foi realizada uma exposição em São Paulo que marcou oficialmente o início do “movimento concretista” e do Grupo Ruptura. O grupo era liderado pelo crítico e artista Waldemar Cordeiro, foi criado pelo artista Anatol Wladyslaw e mais Lothar Charoux, Féjer, Geraldo de Barros, Leopoldo Haar, Luiz Saciolotto, e propunha em seu manifesto “renovação dos valores essenciais das artes visuais”, por meio das pesquisas geométricas, pela proximidade entre o trabalho artístico e produção industrial, e pelo corte com certa tradição abstracionista anterior. De acordo com Ferreira Gullar (1985), o grupo paulista praticava uma arte concreta definida como “o barroco da bidimensionalidade”, o que gerou divergências entre os dois grupos. O Grupo Frente, do Rio de Janeiro, foi formado em torno do artista Ivan Serpa e de seus alunos no Museu de Arte Moderna e dos teóricos Mario Pedrosa e Ferreira Gullar. Em 1953, uma exposição coletiva realizada na Galeria do Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU) marca oficialmente a apresentação do grupo concretista carioca, de que participaram, além de Ivan Serpa, os seguintes artistas: Aluisio Carvão, Carlos do Val, Décio Vieira, João José da Silva Costa, Lygia Clark, Lygia Pape e Vincent Ibberson. O Grupo Frente pregava a experimentação de todas as linguagens, ainda que no âmbito não-figurativo geométrico e, por influência de Calder, enfatizava o intuitivo e o ambiental, por considerar a arte como um “fato orgânico”. O grupo paulista centrava suas investigações no conceito da “pura visualidade da forma” e seu rigor, estruturada na racionalidade matemática, apoiava-se nas formulações de Max Bill. Podemos observar, nesse momento, o ponto crucial e o motivo da dissidência do Concretismo pelo grupo carioca; porém, de acordo Ferreira Gullar


[...] o movimento Neoconcreto não deve ser visto como uma dissidência do Concretismo e sim como uma tomada de consciência autônoma dos problemas da arte contemporânea. (...) No Rio, essas mesmas idéias sofreram uma inflexão, graças a seu principal defensor, Mario Pedrosa, partira delas para indagações originais acerca do fenômeno estético e que valorizavam, a par da arte geométrica construtiva, as manifestações artísticas das crianças e dos doentes mentais. Tal visão abrangente refletir-se-ia no trabalho dos artistas (1985: p.3).


A posição do Grupo Frente de uma forte articulação entre arte e vida, com uma ênfase na intuição como requisito fundamental do trabalho artístico, foi uma das idéias que nortearam a década de 1960, e, segundo Frederico Morais, “Os anos 60 foram, assim, uma espécie de corredor alegre e debochado entre duas décadas sisudas e sérias: construção (ordem) e conceito (arte como idéia). (...) os anos 70 foram uma cunha reflexiva entre dois momentos prazerosos: tropicalismo e geração 80” (1993; p.7). Dentro desse novo universo artístico, um dos movimentos que se destacou e aprofundou sua relação entre a arte e a tecnologia, foi o da arte cinética. Como mencionamos, as pesquisas no campo cinético remontam ao tempo da Bauhaus, mas foi com Victor Vasarely que essas formas ganharam conotações artísticas e se uniram a outras áreas do saber para se concretizar. Acreditamos que esta foi à última etapa de evolução de uma época, visto que a adesão das artes experimentais pelas novas tecnologias possibilitara uma produção complexa, uma vez que os conhecimentos vindos em seguida, da ciência e da informática, puderam colaborar de forma expressiva para a sucessão de novas produções artísticas. Esta interação entre a arte e a ciência foi o que direcionou a penetração do universo artístico no mundo digital. Segundo Julio Plaza,


O surgimento de novos meios tecnológicos de produção de imagens, principalmente os eletrônicos e holográficos provocam uma influência de difícil avaliação sobre as formas de cultura iconográfica tradicional. (...) essas imagens possuem caracteres tecnológicos que renovam a criação áudio-visual, reformulam a nossa visão de mundo, criam novas formas de imaginários e também de discursos icônicos, ao mesmo tempo em que acusam diferenças abismais com as imagens técnicas tradicionais (1998, p. 18).


Para que possamos ter uma visão dessas transformações falaremos mais amiúde dos caminhos trilhados pelas artes visuais no século XX, que pode nos fornecer mais subsídios para entendermos as relações entre a arte, a ciência e a tecnologia, que foi a Arte Cinética. Até agora, fizemos uma síntese das artes visuais no início do século XX e percebemos que, no decorrer desse século, as transformações ocorridas no universo artístico aconteceram não só na visualidade, como também nos procedimentos e técnicas das criações artísticas, dado que artistas que estavam envolvidos nesses processos passaram a procurar novas propostas visuais. Destas inquietações sugiram várias discussões, propostas de trabalhos em grupos e, para melhor compreender a transição da arte convencional para a arte tecnológica, vamos fazer um percurso pela arte cinética, pois foi através dela que percebemos que sugiram os primeiros indícios de uma arte que conciliava ciência e tecnologia. Suas propostas expressavam as mudanças de pensamentos que vinham acontecendo no mundo estético e, principalmente, no espírito do século XX. Originalmente, o termo “cinético” significa algo que tenha movimento, é utilizado nos mais variados campos científicos, tais como física, química, biologia e filosofia. A enciclopédia britânica nos dá uma definição de arte cinética como “arte do movimento - compreende as manifestações que no âmbito das artes plásticas, substituem o movimento potencial pelo movimento atual, rompendo a imobilidade que sempre caracterizou a pintura e a escultura” (ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional – v. 3 - 1977; p.858) Para Frank Popper, a origem da arte cinética estaria ligada a uma noção de progresso existente na dinâmica da física e nos cálculos matemáticos, considerados como teorias científicas. Ele acreditava que o que permaneceu nas manifestações artísticas foram os movimentos dos fenômenos naturais. Como o desenvolvimento de uma estética da água, utilizada nas fontes romanas e, ainda hoje, nos repuxos de praças públicas, seria um dos caminhos da arte cinética integrada no urbanismo e na arquitetura. Assim como os fenômenos conectados com a luz, com o vento, com o ar, com a gravidade e com a ausência de peso, com o fogo e com a fumaça, influenciou um certo grupo de artistas da arte cinética. Outro grupo estaria ligado aos movimentos tecnológicos gerados por rodas, motores de carro e de barcos, relógios e câmeras. Modernamente, nas artes visuais o termo “cinético” foi empregado pela primeira vez, como vimos, no Construtivismo russo, por volta de 1920. Nele encontramos a utilização de “cinético” referindo as artes plásticas com o objetivo de dar movimento real à obra. Porém, a idéia da representação do movimento em obras de arte estática era sugerida desde a Antigüidade nas esculturas gregas clássicas, como na escultura Vitória de Samotrácia, onde os drapeados de suas vestes, as posições de suas asas estão como planando, dando-nos a nítida sensação do vento passando. Nas pinturas clássicas, vemos que o movimento era sugerido por diversos artifícios como a nebulosidade dos anjos em vôo, roupas esvoaçantes etc... Alguns pintores como Leonardo da Vinci faziam estudos e pesquisas avançadas sobre o movimento. Vale lembrar que o Construtivismo russo se destaca não só pelas pesquisas sobre o movimento real nas artes, como fizeram o Manifesto Realista, os líderes do movimento Gabo e Prevsner. Afirmavam que o valor formal da vanguarda russa e as bases de suas propostas artísticas, nas quais a grande preocupação com a forma, com o espaço e com o tempo eram as questões primordiais. Assim, diziam:


Nenhum novo sistema artístico tolerará a pressão de uma crescente cultura nova até que os alicerces mesmos da Arte sejam construídos sobre as leis reais da Vida. Até que todos os artistas digam conosco... Tudo é ficção... só a vida e suas leis são autênticas, e na vida só o atuante é belo e sábio e forte e certo, pois a vida não conhece a beleza como uma medida estética... a existência eficaz é a mais elevada beleza.(...) Dizemos... O espaço e o tempo renasceram para nós hoje. O espaço e o tempo são as únicas formas sobre as quais a vida é construída e, portanto, também a arte deve ser construída.(...) A realização de nossas percepções do mundo, nas formas do espaço e do tempo, é o único objetivo de nossa arte pictórica e plástica. Nelas não medimos nossas obras com o metro da beleza, nem pesamos em quilos de ternura e sentimentos. (...) Renunciamos à ilusão milenar da arte que sustenta serem os ritmos estáticos os únicos elementos das artes plásticas. Afirmamos nessas artes um novo elemento, os ritmos cinéticos, como as formas básicas de nossa percepção do tempo real (CHIPP: 1996, p. 330/331).


Eram propostas bastante arrojadas para a época, tanto assim que o movimento construtivista foi disperso pela política russa, devido à crescente oposição dos dirigentes soviéticos à estética construtivista. Como se previsse e rejeitasse de antemão a arte subjetiva, introvertida e improvisada que estava por vir, Gabo exigiu dos construtivistas consciência e precisão. Assim com todas essas informações podemos ir estabelecendo as relações e com o nascimento da Arte Cinética, através de suas pesquisas interdisciplinares, da utilização de materiais não-convencionais em artes, percebemos as suas ligações com as artes tecnológicas, ou seja, o tronco comum e natural para o nascimento das ciberartes. Pela diversidade das obras cinéticas, a pesquisadora e artista plástica, Paula Perissinotto fez um estudo diferenciado sobre o movimento, que nos permite notar as suas variações e, ao mesmo tempo, observarmos ligações rizomáticas com outros movimentos, ela dividiu a arte cinética nas seguintes categorias: 1. obras que sugeriam a interação perceptiva visual com o espectador. São obras que ficam entre o móvel e o estático. São aquelas que mostram uma vibração óptica que só pode ser percebida com a apreciação e a percepção do espectador, por isso muitas vezes estão filiada à Op Art; 2. obras que tinham como proposta a interação espacial. São as obras em que o movimento se realiza através da mecânica, manipulação do espectador, dos fenômenos naturais, de máquinas e da cibernética; 3. obras que buscavam a interação interdisciplinar da arte com a ciência e a tecnologia. Os primeiros momentos destas intervenções acontecem por volta de 1967 e, segundo Frank Popper, os artistas “Não estavam ainda conscientes do modo pelo qual a tecnologia entraria imperativamente em todas as relações da vida cotidiana. Eles se preocupavam, em primeiro lugar, com mudanças no interior da esfera artística” (PARENTE: 1996, p. 201). Essas obras são mescladas com recursos encontrados em outras disciplinas, como na ciência e ou na engenharia. Da primeira vertente de arte cinética que utiliza a interação perceptiva visual para criar a ilusão de movimento fazem parte os artistas Yaacov Agam, Carlos Cruz-Diez, Julio Le Parc, Jesus Raphael Soto, Victor Vassarely, assim como o Grupo de Pesquisas em Artes Visuais (Le Group Recherche d’Art Visuel - GRAV), de Paris, no qual atuavam os artistas Julio Le Parc, Bruno Munari, Umberto Eco e Enzo Mari, e a Nova Tendência que, além da utilização da interação perceptiva, realizam trabalhos com uma linguagem plástica baseada na manipulação, portanto transformativa. Essas obras na época (1955/60) foram denominadas objetos ópticos transformáveis e manipuláveis; executavam essas obras artistas como: Agam, Vassarely, Cruz-Diez, Le Parc, os brasileiros Waldemar Cordeiro, Sergio Camargo, Lygia Clark, Abraham Palatnik, Dionísio Del Santo. Nomeamos algumas obras para facilitar o entendimento como, por exemplo, Os Bichos, de Lygia Clark, o Veja III, de Vassarely, a série LinearVibrações, de Dionísio Del Santo. Na segunda categoria cinética de obras que interagem com o espaço através da relação mecânica, de máquinas e fenômenos naturais foram desenvolvidas e pesquisadas por artistas como: Archipenko, Duchamp, os irmãos Gabo e Pevsner, Moholy Nagy, Man Ray, Calder, Tatlin, Rodchenko, Julio Le Parc, Jean Tinguely e Nicolas Shöffer. Algumas dessas pesquisas tiveram direções distintas: umas buscaram soluções através da mecânica, outras, através da indução humana, algumas, por meio de máquinas e outras pelos fenômenos naturais (o vento, o calor, a ausência de peso, o movimento da água, a luz e a gravidade). Vale ressaltar que as atividades da arte cinética exigiam de seus artistas pesquisas em outras áreas do saber, como a matemática e a física. Notamos, também, que eles utilizavam termos como força, dinâmica, massa, luz etc., normalmente usados na física. Essa relação interdisciplinar foi acentuada após a realização da primeira exposição de arte cinética, em 1955, na Galeria de Denise René, de Paris, com o nome de Le Mouvement, devido à profusão técnica que era abundante, pois reuniu trabalhos de Agam, Bury, Calder, Duchamp Jean Tinguely, Jesus Soto, Vassarely, Yves Klein e do Brasil o artista Abraham Palatnik. Todos os tipos de mecanismos movidos a motor, vários tipos de alavancas, acoplagens, conjuntos de engrenagens, líquidos como força, membranas pulsantes, o som em relação ao movimento, fenômenos ópticos sugerindo movimento em superfícies estáticas, luz em combinação com o movimento etc. Podemos notar que, até esse momento, a maioria das obras e artistas que experimentavam as novas técnicas e materiais eram basicamente lidados à estética construtivista, ao movimento dadaísta e surrealista e que agora conseguiam sanar em suas obras problemas técnicos proporcionados pelas suas pesquisas atuais. As idéias eram muitas na década de 50, mas o artista Tinguely se destacou, nesse momento, pela originalidade de suas pesquisas científicas e na relação arte/máquina que ele inicia. Tinguely, além de usar elementos convencionais nos seus trabalhos artísticos com a forma, o movimento, a cor, vai penetrar no universo das máquinas, transformando-as em obras de arte. Iniciou com o Policromo metamecânico (1954), cuja forma é clássica, baseada, nos relógios de sua terra natal, a Suíça, porém com humor dadaísta ele incorporou alguns objetos encontrados e colocou som na escultura. Já na série chamada Meta-matics (1959), eram máquinas que desenhavam e produziam uma música, ao mesmo tempo. Com estas máquinas, Tinguely mostrou que a obra de arte não é apenas um produto final, mas algo que podia ter uma certa autonomia. Sua busca era explorar a potencialização dinâmica que a obra propunha, através da “interação maquinal” que ocorria entre as partes da própria obra. Vários trabalhos realizados por ele podem ser considerados como referência para várias questões discutidas ainda hoje nas artes visuais, tais como: o dinamismo, a potencialidade, a interatividade e a co-autoria; como exemplo, outra obra Le ciclope, uma escultura monumental de 22 metros de altura, que começou a ser idealizada, em 1969, cujos desenhos e maquete ilustravam a idéia inicial da obra: uma monstruosa cabeça com um olho gigante na parte central, que levou dez anos para ficar pronta. Para a execução da obra, ele buscou a assessoria do engenheiro Bernhard Luginbrüill, que foi o responsável técnico; para a realização da parte artística convidou vários amigos entre eles: Arman, César, Daniel Spoerri, Eva Aeppli, Jean-Pierre Raynaud, Jesus Raphael Soto, Larry Rivers, Niki de Saint-Phalle, Pierre Marie Lejeune, Phillippe Bouveret, Seppi Imhof. Vemos que, a partir das obras Jean Tinguely, a relação máquina/arte fica mais estreita; devemos lembrar que, naquela época, as pesquisas desenvolvidas por Norbert Wienner estavam no auge e, também, foi editado o seu livro Cybernetics (1950), relatando as relações e os processos de comunicação e o controle de suas funções no âmbito técnico e orgânico. Seus estudos para superar a entropia a partir da teoria do feedback, ou seja, a capacidade das máquinas de imitar os seres vivos, por meio de uma aprendizagem que se dá pelo retorno de uma informação recebida, vem reforçar as experimentações técnicas, tanto que suas pesquisas expandem-se para outras áreas do conhecimento, como, por exemplo, a sociologia, a psicologia, a fisiologia, a comunicação, a filosofia; nas artes, Nicolas Shöffer foi pioneiro em usar a teoria da cibernética em suas pesquisas. Assim, Nicolas Shöffer utilizando os seus conhecimentos sobre a cibernética aprimorou sua própria linguagem artística, visto que vinha de uma tradição construtivista. Do mesmo modo que os irmãos Gabo e Pevsner faziam, Shöffer desenvolveu a sua produção artística. Podemos constatar no desenvolvimento da série Spatio-dynamique 1, iniciada em 1948, até que em 1956 ele realiza a primeira experiência artística, fundamentada na teoria da cibernética de Weiner, o Cysp I, título derivado da união das iniciais de cybernetic e spatio-dynamic. Essa obra era uma torre de cinqüenta metros, com um eixo autônomo e uma rotação excêntrica, regulada por um cérebro eletrônico que transmitia o som de doze gravadores e tocava música do compositor francês Pierre Henry. Para constuí-la ele trabalhou em conjunto com o engenheiro da Phillips, François Tenry. Dessa forma, Shöffer deu início à interação da arte com um movimento eletrônico inteligente, que possibilitou a interação digital e as propostas artísticas que iriam utilizar hardwares e softwares. Podemos perceber que esta foi a última etapa da evolução de um período, no qual o cineticismo (movimento) foi o principal material a ser moldado, pois os


...] anos 80 viram uma verdadeira ruptura em relação às pesquisas anteriores. A intervenção de novas tecnologias, em particular o computador, as telecomunicações e o audiovisual na vida cotidiana – tecnologias que avançam agora numa frente comum – constitui uma verdadeira revolução. (...) É a partir desse momento que se pode falar de uma arte da tecnociência, de uma arte em que intenções estéticas e pesquisas tecnológicas fundadas cientificamente parecem ligadas indissoluvelmente e, em todo caso, se influenciam reciprocamente (POPPER, apud PARENTE: 1996, p. 203). Como podemos constatar, através da adesão da arte cinética às novas teorias, as possibilidades tecnológicas criam, além de uma produção complexa, uma busca eficaz para se produzirem obras de arte, que integrem as novas propostas interdisciplinares, surgidas da relação da arte com a ciência. Para que isso se tornasse corriqueiro e natural, os artistas buscavam com muito interesse estudar e pesquisar os novos meios e, quando necessário, faziam parcerias com técnicos e cientistas, surgindo então a nova arte tecnológica, sobre a qual, mais à frente, trataremos de tecer alguns comentários – a ciberarte –, e também sobre dois artistas brasileiros que conjugaram perfeitamente esse novo paradigma entre arte e tecnologia, Abraham Palatnik e Waldemar Cordeiro.


Considerações finais

A relação do homem com a imagem está diretamente ligada ao momento fundante de sua criação, ele é a obra maior do Criador, visto que foi colocado como guardião de suas criações. E, como tal, foi observando a diversidade que há na Terra, fazendo descobertas, acumulando conhecimentos tais que chegamos, atualmente, a um mundo tecnológico de padrões éticos e estéticos que se transformam rapidamente com os meios digitais e eletrônicos. No decorrer desse trabalho, demonstramos alguns conceitos, apontamos transformações que ocorreram e vêem ocorrendo na sociedade contemporânea matizada pelos meios digitais em redes globais. As abordagens de alguns aspectos sócio-político-culturais se fizeram necessários para exercitarmos visões críticas que sempre devemos ter nas diversas esferas de nossa vida. A epígrafe inicial denota essa preocupação com o social, e, ao mesmo tempo, com outra que tenho, que é a divulgação do conhecimento acadêmico de maneira simples e crítica, para que ele possa ser absorvido e socializado, transformado, como diz Gramsci “em base de ações vitais”. E é através da arte que procuro realizar esse exercício social, visto que ela é um desses fenômenos que têm maior facilidade e possibilidade de transformar um ser de estado bruto a estado sensível. Assim, neste trabalho, busquei relacionar o universo artístico com a sociedade, como a relação dos artistas diante dos desafios impostos por uma sociedade capitalista em constantes mutações, e também como eles vão moldando e experimentando as novas invenções e trazendo para suas produções artísticas. Com este trabalho podemos compreender que, ainda, estamos em pleno processo de hibridações da relação arte/ciência/tecnologia, e por ser um processo, a arte tecnológica vem acontecendo gradualmente no universo artístico, mesmo em tempo de velocidades como esse que estamos vivendo. Até porque se não tivermos um capital cultural para trabalhar com as novas tecnologias, corremos o risco de fazer um discurso ultrapassado transvertido de novo. Enfim, podemos compreender que as técnicas, os artifícios, os procedimentos de que se utilizam os artistas para conceberem, construírem e exibirem os seus trabalhos não são apenas ferramentas inertes, nem mediações inocentes, indiferentes aos resultados, e que se poderiam substituir por quaisquer outras. Como nos adverte o Prof. Arlindo Machado em seu livro Máquinas e Imaginário, as tecnologias estão carregadas de conceitos, porque são ideologias, elas têm uma história, elas derivam de condições produtivas determinadas.


Referências

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